Folhetim: Capítulo 2
Naquela noite de primavera, convidei Rita para jantar, fiz espaguete ao molho branco e sentamos no chão da sala, com nossos pratos e taças de vinho na mesa de centro. Comemos devagar, enquanto conversávamos. Ela estava pensando em pedir demissão do trabalho na estação, cansada do vai e vem dos passageiros. Disse que já havia encontrado o que procurava por lá: eu, naquela tarde abafada seis meses atrás.
— Na verdade, fui eu que te encontrei, disse, brincando. Lembra que você teve que procurar a São Joaquim no mapa?
— Eu me lembro que nós dois precisamos do mapa. Quem diria. Duas pessoas perdidas se encontrando na Consolação.
Depois do jantar, esticamos as pernas e tomamos uma segunda taça de vinho. Falamos sobre as longas horas de expediente que enfrentávamos todos os dias, só esperando pelo momento em que iríamos nos encontrar.
— Também não aguento mais trabalhar na firma. Passo o dia fazendo animaizinhos com clips de papel, para ajudar o tempo a passar mais rápido: elefantes, coelhos e abelhas prateados.
Ela pediu para ver os clips.
— É patético, eu disse.
Mesmo assim, abri uma das gavetas da estante, cheia de objetos inúteis: pilhas AA usadas, canetas Bic que já não funcionavam, um rolo de durex com a ponta perdida. Coloquei os clipes moldados na mão dela. Ela os segurou e observou com ternura, um de cada vez, seguindo o contorno dos animais com os dedos.
Deixamos as taças de vinho no chão e fomos para o quarto. Deitamos na cama no escuro, ao lado da janela aberta, com os sapatos ainda nos pés. Era lua nova, a fase em que está mais próxima do sol. Ficamos lá por muito tempo, abraçados, olhando para o céu limpo e a cidade.
— Nunca prestei muita atenção no céu.
Eu toquei seus cachos.
— Nem eu, Rita. Tem coisas que só faço quando estou com você.
Ela retribuiu o carinho no meu cabelo. Seu rosto estava perto do meu e, mesmo no escuro, eu conseguia ver que ela estava de olhos fechados, com uma mecha caindo sobre a testa.
Senti necessidade de proteger aquela imagem: seu rosto no escuro, o céu claro, a nossa intimidade. Isso precisava ser lembrado.
Beijei sua testa e pedi que esperasse um momento. Corri até a sala e abri a gaveta da estante, onde encontrei um clip de papel solto.
Ela estava no quarto exatamente como a deixei, parada à janela, iluminada pela lua. Tive a sensação de nos observar como um espectador de nós mesmos; assistindo à certa distância. Havia apenas uma quietude estranha. Nossos corpos acompanhando a transição com calma, nos ajustando ao mistério do que ainda estava por vir, à realidade de que o futuro não seria como o presente.
Me ajoelhei ao lado da cama e peguei sua mão direita entre as minhas. Ela afastou o cabelo dos olhos e sorriu de leve, um sorriso de quem compreendeu e aceitou. Nenhuma palavra foi necessária.
Desdobrei e dobrei o clip de papel em volta do seu dedo anelar, até onde as pontas se juntaram.
Este é o segundo capítulo do projeto Folhetim, um romance aberto em que cada conto-capítulo foi escrito por uma autora diferente. A proposta era que os contos formassem, em conjunto, uma história completa.
Leia o primeiro capítulo aqui.
Texto de Bruna Dantas Lobato
Ilustração de Carolina Nazatto
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