Folhetim: Capítulo 5
O que mais me entristece é não ter acertado de primeira. Eu tenho esse problema, de nunca acertar de primeira. Delineador, por exemplo, tenho que passar umas três vezes até conseguir um risco perfeito.
Não consigo lembrar se estava maquiada naquele dia. Que tipo de pessoa passa delineador antes de matar o marido?
Devo ter passado. Eu passava todos os dias, e aquele era para ter sido um dia comum se eu não tivesse feito o que fiz.
Na verdade, se você não tivesse feito o que fez.
Nos segundos em que a bala saiu do revólver e acertou o seu peito foi como se ela tivesse atravessado uma linha do tempo. Percorreu a timeline da nossa história, atravessou todos os nossos planos e, sem desviar, chegou onde queria. Quando acertou seu peito, anunciou o fim.
Você olhou para mim com uma incredulidade que era impossível não retribuir:
— Por que você isso comigo?, era a pergunta no seu olhar.
— Por que você fez isso com a gente?, devolvi.
Queria poder enfiar a mão no seu corpo e arrancar as malditas balas com as mãos, fazer um carinho, pedir desculpas.
Mas elas já estavam confortavelmente alojadas, como móveis bonitos numa sala de estar. Pareciam feitas sob medida.
Já faz tanto tempo e eu não consigo parar de pensar nisso nem por um dia.
Meu julgamento está aí, não sei o que vai acontecer. Mas nada pode ser pior do que já aconteceu.
— Por que você fez isso com a gente? Eu me pergunto todos os dias.
Texto de Francine Bittencourt
Ilustração de Carolina Nazzato
Este é o quinto capítulo do projeto Folhetim, um romance aberto em que cada conto-capítulo foi escrito por uma autora diferente. A proposta era que os contos formassem, em conjunto, uma história completa.
Leia os capítulos anteriores aqui:
Capítulo 1: Consolação, por Flávia Stefani Resende
Capítulo 2: Clipes de papel, por Bruna Dantas Lobato
Capítulo 3: Lua de mel, por Paloma Zaragoza
Capítulo 4: Filme de amor, por Sofia Sofer
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