Folhetim: Capítulo 4
Um dia eu vi, na internet, um vídeo com a mesma cena de filme com várias músicas diferentes: dependendo da música, virava uma cena de suspense, ou de comédia, ou de romance. Na vida a gente não tem trilha sonora nem edição, mas assim mesmo eu tinha certeza que a gente vivia um filme de amor. Tinha tudo lá: o encontro por acaso na estação, o pedido de noivado, a lua de mel na praia, tanto calor, tanta areia. Coisa de filme bonito, com música antiga, câmera lenta, a plateia no cinema só de casal.
Só o casamento dava uma cena linda: Uma capelinha no centro da cidade, de dia, eu de terno cinza e Rita, meu Deus, Rita, de vestido branco, véu e buquê, um sonho em forma de gente. Gente mesmo, não tinha muita: minha mãe, porque pai não tenho, e o pai dela, que mãe não tem; um irmão de cada lado, muito primo do lado dela, uma só do meu; e uns amigos, meus, dela, nunca nossos. Depois da cerimônia, fomos todos para a casa do pai dela, comemorar com cerveja e docinhos.
No fim da festa, saímos de fininho. No corredor do nosso prédio, assim que pisamos fora do elevador, tentei pegar Rita no colo, carregar ela até dentro do apartamento, até a cama. Pareceu romântico. Na verdade, deixei ela no chão em frente à porta, porque é difícil carregar uma mulher adulta nos braços e pegar chaves no bolso ao mesmo tempo. Rimos, então, primeiro sorrisos e logo gargalhadas. Rimos de falta de praticidade do gesto, rimos com o corpo cheio de cerveja, rimos porque estávamos apaixonados e casados, rimos porque a nossa noite de núpcias não era a primeira que passaríamos juntos. Rimos e foi mais romântico do que carregar Rita até a cama, solene e grandioso, teria sido.
Eu tinha certeza que era um filme de amor, mas a verdade é que a gente não sabe que tipo de filme é a nossa vida até chegar ao fim. O fim veio aos prantos, sentindo a bala explodir em mim, me agarrando à barra de sua saia, vendo em Rita um anjo do inferno, uma imagem linda que veio à terra me punir.
Meu filme foi uma tragédia. O dela, um suspense de vingança.
Continua…
Este é o quarto capítulo do projeto Folhetim, um romance aberto em que cada conto-capítulo foi escrito por uma autora diferente. A proposta era que os contos formassem, em conjunto, uma história completa.
Leia aqui o primeiro, o segundo e o terceiro capítulos.
Texto de Sofia Soter
Ilustração de Carolina Nazatto
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