Antes de conhecer a Paula Gicovate, eu já a lia. Paula escreve o que deveria ser de essencial leitura para a compreensão dos códigos afetivos entre as pessoas. Paula caminha de mãos dadas comigo desde o meu primeiro livro. E que assim sigamos.
Paula é uma mulher cheia de dendê — tanto no jeito de sorrir e te olhar no olho, faceira, para dividir algum absurdo; quanto na escolha das vírgulas e na concepção das frases curtas e certeiras que marcam sua prosa.
Talvez a obsessão de Paula pelo amor tenha algo a ver com o fato de seus avós nonagenários continuarem ciumentos um do outro. Talvez não seja nada disso – Paula gosta de tirar coelhos da cartola, seja quando se revela uma astróloga nata ou boleira de mão cheia.
Ela tem tiradas maravilhosas, que se equilibram entre o trágico e o cômico. “Meu dia melhorou muito: começou com uma crise de gastrite e vai terminar com uma taça de vinho e um elogio desses”.
O elogio em questão era que Paula tinha luz. E ela tem. Paula carrega um je ne sais quoi na vida e na escrita. E eu tenho a sorte de ser sua contemporânea.
Notas sobre a impermanência (Faria e Silva) é sobre uma mulher que poderia ser qualquer uma de nós. Mesmo com sua história muito única, este livro contém a universalidade dos sentimentos amorosos.
Com vocês, um pouco de Paula.
Luiza Mussnich — Paula, o amor sempre foi o seu assunto? Sobre o que falavam e como eram seus primeiros escritos?
Paula Gicovate — Sempre. Esses dias revirando as gavetas dos meus avós achei meu primeiro “livro”. Eu ainda não sabia escrever, mas ditava para o meu avô, e depois ilustrava. Era a história de uma menina, Maria, que queria namorar, mas o pai não deixava. Tinha briga e tensão até que todos finalmente se entendiam e Maria se casava. Até ai tudo bem, mas na última página tinha um desenho de toda família, com a frase “família é tão complicado”. Eu acho que não tinha 10 anos e já estava pensando sobre amor e configurações familiares. Já achava que família era complicado, mas estavam todos desenhados juntos, na mesma página, como é a minha. Quando de fato comecei a escrever, meus textos eram todos sobre amor. Escrevia cartas para paixões que sequer existiam, e talvez faça isso até hoje.
Luiza Mussnich — O que te coloca em estado de escrita? Como surgem seus primeiros esboços? Em quais suportes você escreve?
Paula Gicovate — Qualquer coisa pode me colocar em estado de escrita. Já saquei o bloco de notas em situações insólitas, e, geralmente, não são frases, são textos grandes que eu vou editar depois. Já o processo do romance é mais diferente, eu tenho uma estrutura na cabeça, mas vou escrevendo livremente para encaixar depois na história que já sei como começa e como termina. Mas o estado de escrita é constante.
Luiza Mussnich — Quais seriam os signos da Lia e do Otto? A astrologia aparece na escrita, ou vice e versa?
Paula Gicovate — Acho que a astrologia aparece depois, quando crio os personagens e vou vendo que características eles têm. Sou apaixonada por astrologia e esoterismos em geral, mas meu processo de escrita é mais capricorniano racional (olha aí). Então, só penso nisso depois. Acho que Lia é uma sagitariana com lua em Touro e Otto um libriano com lua em sagitário.
Luiza Mussnich — A maioria das histórias de amor é fracassada? O amor tende à finitude? Ele só não desaparece quando duas pessoas não podem ficar juntas?
Paula Gicovate — Cada história tem seu tempo, quando acaba não significa que deu errado, ou que não era amor. Todo amor é passível de acabar. Nada no amor é garantido e existe beleza nisso, porque não tomar algo como garantido é persistir para que dure. Estar junto requer coragem, o amor é lindo, mas é uma barbárie. Acredito em todas as formas de amor, inclusive a que dura para sempre.
Luiza Mussnich — “Aconteceu com você?” Como a questão da autoficção está presente na sua escrita e na dos seus contemporâneos?
Paula Gicovate — Tem uma frase do diretor Paolo Sorrentino que gosto muito: “a realidade é o ponto de partida para qualquer história, mas é preciso reinventá-la”, e acho que passa por ai. Não é sobre mim, mas sobre sentimentos que eu conheço. A história da Lia não é a minha, mas eu preciso conhecer o que ela sente para escrever. Inventar histórias é libertador, mas é preciso ter algo nosso, honestidade, para que as histórias sejam verossímeis.
Luiza Mussnich — A Lia é um pouco você e um pouco todas as mulheres? De que maneira você constrói suas personagens?
Paula Gicovate — Eu gosto de criar personagens com camadas, que sentem e mudam de ideia, não são as mesmas do início ao fim da trama. Vejo os personagens como vejo as pessoas, ninguém é uma coisa só ou consegue sustentar um humor o tempo todo. Disso, Lia tem um pouco de mim. Sou várias, mudo de ideia, sinto desejo, questiono, nem sempre sou boa, mesmo que tente ser, e acho que consegui emprestar isso para ela.
Luiza Mussnich — Com quais autoras você gostaria de sentar para tomar uma cerveja?
Paula Gicovate — Com você, sempre. E com Giovana Madalosso, Rita de Podestá, Nina Horta e Nora Ephron.
Luiza Mussnich — Quem são seus autores-referência?
Paula Gicovate — Meu primeiro contato com a poesia de Ana Cristina César foi um assombro, e ela segue um norte para mim. Gosto demais da Nora Ephron, que tem um olhar muito único sobre amor e relacionamentos, da Joan Didion e sua escrita certeira, Caio Fernando Abreu, que também foi minha leitura de formação, e atualmente ando apaixonada pelo Pedro Mairal e sua doçura cínica, e pela Ana Martins Marques.
Luiza Mussnich — Qual o melhor conselho sobre escrita que você já recebeu?
Paula Gicovate — Um conselho da minha mãe. “Escreva independente de um motivo, escreva para sobreviver, dar conta, e só depois pensa no que isso vai dar”.
Luiza Mussnich é autora dos livros de poesia Microscópio, Lágrimas não caem no espaço e Para quando faltarem palavras, todos pela Editora 7Letras.
Imagem: Colagem feita por Sumaya Fagury a partir de fotografias das autoras Luiza Mussnich (abaixo) e Paula Gicovate (no alto).
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