A cada edição, a Deriva terá uma seção dedicada a recomendações de leituras. Para o lançamento, fizemos um arranjo especial: conversamos com cinco pessoas com perfis e interesses diferentes, todas entusiasmadas por livros. Pedimos que fizessem uma lista comentada com os dez títulos que mais gostaram de ler em 2016. As publicações não precisavam ter sido lançadas no ano passado, mas seria um bônus, uma oportunidade de olhar para o mercado editorial atual, incluindo independentes.
Cecilia Arbolave, editora da Lote 42; Jarid Arraes, escritora; Juliana Gomes, livreira e criadora do projeto Leia Mulheres; Ronaldo Bressane, escritor; e Thiago Tizzot, editor da Arte & Letra aceitaram o desafio e são os primeiros convidados que inauguram a seção.
Cecilia Arbolave
1. Leituras do Corpo no Japão, de Christine Greiner
Uma obra para quem quer fazer uma imersão nesse país tão instigante e misterioso. A autora toma o corpo como ponto de partida para falar de linguagem, artes visuais, cultura, sociedade, história e medicina. Publicado pela N-1 edições, tem uma leitura bem agradável e a cada página nos aproxima mais e mais da cultura Oriental.
2. Building Stories, Chris Ware
Obra emblemática do mestre dos quadrinhos Chris Ware, que vem em 14 livretos de formatos diferentes dentro de uma grande caixa. A cada leitura, você vai construindo a história, os personagens, os cenários desta novela gráfica. Cheia de minúcias e de detalhes narrativos, é daquelas obras que todos deveriam ler, sejam ou não leitores de quadrinhos. Foi publicada pela Pantheon Books.
3. Un año sin amor, de Pablo Pérez
Escrita nos anos 1990, a novela apresenta um ano na vida do escritor argentino, que também é personagem do livro. O solitário Pablo Pérez se refugia na escritura para encarar o HIV, numa narrativa intensa que entrelaça raiva, fantasias, sexo e amor. Li a re-edição da obra, publicada em 2015 pela Blatt & Rios.
4. C’est la vie, de Jean‐Jacques Sempé
Me aproximei do Sempé depois de várias conversas com o artista uruguaio Troche, para quem é uma influência desde cedo. C’est la vie é desses livros para ter sempre por perto e revisitar os desenhos. Publicada pela Phaidon, a obra traz o humor sutil e certeiro do francês organizado em diferentes tópicos, como arte, cidade, música, casais e Deus, entre outros.
5. Valfrido?, de Gustavo Piqueira
O livro é o resultado de uma das loucuras editoriais talvez mais ousadas que nos envolvemos com a Lote 42. De forma anônima, em 2015 mandamos via Mala Direta uma ficção impressa em dez panfletos para 9 mil residências dos bairros de Higienópolis e Santa Cecília. O livro, publicado no ano passado, traz os bastidores dessa aventura, que serve de ponto de partida para um belo texto do Gustavo Piqueira que discute a relação entre texto e design. Mais detalhes e um minidoc aqui: lote42.com.br/valfrido
6. Anoitece, de Márcia Misawa
São 12 folhas de papel vegetal com lineogravuras e delicadas estrelas perfuradas. A cada página que passa, a noite vai entrando em cena. Esta publicação da artista paulistana Márcia Misawa é daqueles livros que poderiam ser para crianças, mas são os adultos que mais vão curtir.
7. Divórcio, do Ricardo Lísias
A tensão entre a ficção e a realidade prende o leitor do começo ao fim neste romance de um dos autores emblemáticos da literatura brasileira contemporânea. A experimentação e ousadia são marcas na narrativa do Ricardo, que em 2016 ainda lançou o Inquérito Policial – Família Tobias, pela Lote 42.
8. Além dos Trilhos, de Mika Takahashi
O traço delicado, mas ao mesmo tempo muito expressivo, da Mika Takahashi ganha força nesta HQ: a artista paulistana dispensa o texto para contar a história de um coelho em busca de preencher o vazio cotidiano. Um convite para quem também quer escapar do dia a dia e entrar no universo mágico da Mika. A edição é muito caprichada, como são todas as publicações da Pingado-prés.
9. Line as a Climax, da Corners Publishing
Descobri este zine na Tokyo Art Book Fair em 2016 na mesa da Corners, um estúdio de risografia da Coreia do Sul. É uma reinterpretação do livro The Dot and the Line: A Romance in Lower Mathematics, de Norton Juster. Com uma encadernação fragmentada, apresenta o relacionamento entre uma linha e um ponto, em uma narrativa que se desdobra em dez pôsteres de diferentes artistas.
10. Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac
Estou lendo este romance no ritmo mais devagar possível, descobrindo a narrativa de um dos cânones da literatura. Terminar a obra de 800 páginas é uma das resoluções de 2017.
Jarid Arraes
1. As Águas-Vivas Não Sabem de Si, de Aline Valek
Um livro que vem com uma pancada de solidão e angústia. Ficção científica que acompanha uma mergulhadora num projeto de pesquisa oceânico, mas que acaba por nos fazer mergulhar em questões difíceis — mas necessárias — da nossa própria vulnerabilidade humana. Publicado pela Editora Rocco.
2. Beijos no Chão, de Dani Costa Russo
Mandatório para enxergar o que é um relacionamento abusivo e como a violência doméstica pode enlouquecer. Incrível porque é um romance que transita em diferentes linguagens, muito poético e muito bem escrito. É uma leitura que flui rápida, mas o tema é pesado, bastante doloroso. A autora consegue te colocar no miolo do sofrimento da protagonista. Publicado pela Direito de Expressão.
3. Aya de Yopougon, de Marguerite Abouet
Uma série de quadrinhos incrível sobre uma jovem da Costa do Marfim. É uma delícia ver um país da África sob outra ótica distante de clichês e racismos. Além disso, adoro as ilustrações e as cores dos vários volumes. Publicada no Brasil pela L&PM.
4. Constelações, de Helena Zelic
Livro de poesias que já reli seis vezes. Questões pessoais da autora se misturam com questões coletivas das mulheres. Considero um livro de poesias que celebram as vozes das mulheres, sobretudo quando se juntam. Publicado pela Editora Patuá.
5. Outras Vozes, de Plínio Camilo
Proposta incrível: o autor utiliza anúncios de escravos do período imperial do Brasil para criar as histórias dessas pessoas negras que eram vendidas e exploradas. Li em poucas horas de tão envolvida que fiquei. É uma leitura deliciosa que mistura prosa, poesia e quebra de paradigmas. Publicado pela 11 Editora.
6. Úrsula, de Maria Firmina dos Reis
Primeiro romance brasileiro, abolicionista, e escrito por uma mulher negra que, ainda por cima, fundou uma escola mista numa época em que o machismo era verdade incontestável. Esse livro é histórico e inspirador. Publicado pela Editora Mulheres/EDUNISC.
7. Olhos D’Água, de Conceição Evaristo
Contos maravilhosos e profundos de uma das autoras negras mais maravilhosas que temos no Brasil. Além de Conceição Evaristo ser referência, escreve de um modo que te aperta a alma. O conto que dá título ao livro me faz chorar sempre que releio. Publicado pela Pallas.
8. Terra Fértil, de Jennyfer Nascimento
Poesias políticas e flamejantes de uma autora negra jovem que tem se destacado entre saraus e o que podemos chamar de literatura periférica. Considero um livro muito especial, que tem uma ilustração linda na capa e que te instiga a refletir. Publicado pela Mjiba.
9. Além dos Quartos, Coletânea Erótica Negra Louva Deusas
Coletânea de literatura erótica toda escrita por autoras negras. Tem para todos os gostos e sexualidades: poesias, contos, opinião, de uma diversidade maravilhosa em todos os sentidos. Para mim, é referência de erotismo feito por mulheres. Publicação independente.
10. Quarenta Dias, de Maria Valéria Rezende
Uma mulher idosa que acaba presa numa vida de “avó profissional” e que acaba em situação de rua enquanto tenta lidar com a sensação de que perdeu sua individualidade. É um prato completo para refletir sobre saúde mental, feminismo e sentir o que é ser uma mulher mais velha. Publicado pela Alfaguara.
Juliana Gomes
1. História de Quem Vai e de Quem Fica, de Elena Ferrante
O terceiro volume da tetralogia napolitana é o tipo do romance que pode ser lido e apreciado por qualquer um, mas, com um olhar mais atento, você poderá encontrar tantas camadas que se torna o tipo do livro que precisa ser relido, sempre. Publicado pelo selo Biblioteca Azul (Globo Livros).
2. Liturgia do Fim, de Marília Arnaud
Comparado pela escritora Maria Valéria Rezende a Lavoura Arcaica, o livro se assemelha pelo enredo, mas também traz à tona a sociedade patriarcal em que vivemos e a violência contra mulheres e crianças que acontece todo dia. Publicado pela Tordesilhas.
3. Uma Vida Pequena, de Hanya Yanagihara
Quatro amigos, quatro realidades e quatro destinos muitos diferentes. Talvez o melhor livro que li em 2016. Muitos podem discordar pela pegada violenta na escrita, mas talvez esse tenha sido o modo de trazer a realidade da maneira mais nua e crua possível. Editora Record.
4. Meu nome é Lucy Barton, de Elizabeth Strout
Um romance curto, mas que eu prefiro chamar de novela maravilhosa. Total empatia com a história: de repente, me senti sentada no hospital vendo mãe e filha conversando e, de alguma forma, se perdoando. Mais do que tudo é um livro sobre aceitação e perdão. E que livro! Publicado pela Companhia das Letras.
5. O Fim da História, de Lydia Davis
O primeiro romance da cultuada contista Lydia Davis consegue ser o que os contos dela são — impactante, para dizer o mínimo. Com toques autobiográficos, a autora te coloca frente a frente com medos e apreensões. Uma busca de redenção para si mesmo através do olhar do outro. Publicado pela José Olympo.
6. Ana de Amsterdam, de Ana Cássia Rebello
Blog homônimo reproduzido no livro, uma mulher que se despe de qualquer falsidade ou pudor para se mostrar ao leitor com todas as suas fragilidades e cobranças que o mundo fala pela mulher perfeita. Ana nos mostra quem ela é, e talvez seja um pouco de nós também. Publicado pelo selo Biblioteca Azul (Globo Livros).
7. Teoria King Kong, de Virginie Despentes
Um livro sobre a força de mulheres incomuns, que não se enquadram nos estereótipos determinados pela sociedade. Um grito de “Eu existo e me permito existir”. Publicado pela N-1 Edições
8. A Teta Racional, de Giovana Madalosso
É impactante, exagerado, um tanto cortante? Sim, e tudo parece milimetrado. Cada conto retrata uma mulher e suas angústias e problemas que o mundo contemporâneo nos traz. Publicado pela Gruá.
9. How to Suppress Woman Writing, de Joanna Russ
Representatividade da mulher escritora, como o mercado a vê, como os leitores podem pensar e perceber essa autora. Interessante para debatermos ainda mais sobre essas questões. Publicado pela University of Texas Press.
10. Placas Tectônicas, de Margaux Motin
Uma mulher e suas agruras com a filha, trabalho, namorados e amigas. De maneira bem humorada, o livro nos mostra a vida de uma mulher que poderia ser eu ou você. Publicado pela Nemo.
Ronaldo Bressane
1. Na não-ficção, Vozes de Tchernóbil, da Svetlana Aleksiévitch (Cia das Letras) foi um dos livros mais horríveis que já li (como contato direto com o horror) desde É Isto Um Homem?, de Primo Levi.
2. A biografia mais perturbadora foi Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos (Aleph), em que Emmanuel Carrère romanceia a vida de Philip K Dick e mostra por que o autor de Androides inventou esta distopia a que hoje chamamos realidade (incluídos todos os episódios de Black Mirror, Westworld e Mr Robot).
3, 4. Achei Bulldogma, do Wagner William (Veneta), o melhor lançamento em quadrinhos do ano (ao lado da coletânea O Fantástico Quadrinho Brasileiro, de 2015), pelo virtuosismo não só no traço, mas principalmente na estruturação da narrativa e na miríade de referências enquadradas com elegância.
5, 6. Em poesia, certamente as edições da revista Grampo Canoa e de livrinhos como os das duplas Corsaletti/Betito e Brum/Calixto consolidaram a Luna Parque como editora mais criativa.
7, 8. Gostei demais do Histórias Naturais, coletânea de contos do Marcílio França Castro (Cia das Letras), pelo alto nível de inventividade, profundidade e senso de humor na história curta. Já Trinta e Poucos (Cia das Letras) estabelece Antonio Prata como melhor cronista brasileiro em atividade.
9, 10. No romance, uma dupla me assombrou: O Fim da História, Lydia Davis (Record), pela capacidade em retomar os fios da memória que enovelam o nascimento e o desmoronamento de um amor, e Como Se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas, da Elvira Vigna (Cia das Letras), pelo modo divertido e engenhoso com que ela destrincha a obsessão de um sujeito banal por prostitutas (e pelo jeito sinuoso como nos conduz até o desfecho implacável).
Thiago Tizzot
1. O Feiticeiro de Terramar, de Ursula K. Le Guin
O livro de Ursula K. Le Guin foi publicado originalmente em 1968 e é um dos responsáveis pela construção da Fantasia como a conhecemos hoje. Seus conceitos de magia e mundos ficcionais influenciam uma nova geração de autores que hoje vai além da sombra de Tolkien. Fora de catálogo no Brasil há muito tempo foi uma grata surpresa ter o livro lançado em 2016 pela Editora Arqueiro.
2. A Amiga Genial, de Elena Ferrante
Ferrante é uma escritora brilhante e para mim o que mais marcou foi através das palavras do livro ter a experiência de viver na Nápoles dos anos 50. A imersão é completa. Leitura obrigatória. Publicado pela Biblioteca Azul, selo da Globo Livros.
3. O Diabo no Corpo, de Raymond Radiguet
Esse foi daqueles livros que estava na estante um bom tempo e resolvi dar ma chance e ler. Um dos melhores parágrafos inicias que já li. Radiguet foi um autor francês do século passado que faleceu aos 20 anos e O Diabo no Corpo foi sua única publicação em vida. Editora Penguin.
4. Zloty, de Tomi Ungerer
O livro de Tomi Ungerer conta a história de Zloty uma menina que vai em sua lambreta levar as compras da vovó doente. Durante o trajeto uma série de incidentes e encontros muda os planos da menina. A história de Ungerer é de uma criatividade ímpar e seus desenhos incríveis, mas o que mais me marcou foi que Zloty é o primeiro livro que minha filha leu para mim. Editora Gaudi
5. Livro de Ensaios Virginia Woolf, de Virginia Woolf
Quando estava selecionando os ensaios que farão parte do livro que em breve será publicado pela Arte & Letra (com tradução de Emanuela Siqueira), fiquei espantado com a análise que a Woolf fazia da literatura e leitura. A força e atualidade de suas ideias e infelizmente a constatação de que os mesmos problemas persistem nos mostra como ainda precisamos evoluir muito tanto na literatura quanto na leitura.
6. Detetive à Deriva, de Luís Henrique Pellanda
Desde a primeira vez que encontrei Curitiba em um livro, no Fotógrafo do Tezza, é sempre uma leitura que me marca. Reconhecer a cidade que caminho todo o dia nas páginas é uma experiência que ainda me causa estranheza. Pellanda é um grande contador de histórias e suas crônicas são precisas e cortantes como o vento frio de Curitiba. Editora Arquipélago.
7. O Coração do Cão Negro, de Cesar Alcázar e Fred Rubim
Anrath, o Cão Negro, é um dos personagens mais interessantes que surgiu na literatura fantástica brasileira nos últimos anos. Poder ler uma HQ de Fantasia de dois autores nacionais é uma experiência marcante. O texto do Cesar e o traço do Fred criam uma bela narrativa. Editora Avec.
8. A História dos Meus Dentes, de Valeria Luiselli
A história de Gustavo Sánchez Sánchez, ou apenas Estrada, é deliciosa. Valeria Luiselli é uma escritora genial, não somente pelo texto, mas pelas ideias e personagens peculiares que aparecem em sua trama. A leitura mais prazerosa de 2016, com certeza. Editora Alfaguara.
9. O Tradutor Cleptomaníaco, de Dezsö Kosztolányi
Escolhi esse pelo título. Toda a vez que leio algo da Hungria me deparo com um humor ácido, sem medo, e personagens absurdos. Os contos de Kosztolányi trazem tudo isso, mas também uma análise profunda do comportamento do ser humano. Editora 34.
10. Prosas Apátridas, de Julio Ramón Ribeyro
É impossível ler este livro e não lembrar de Comendo Bolacha Maria no Dia de São Nunca, do Manoel Carlos Karam. São textos curtos ou longos, contos ou não, aforismos, diário, reflexões. São prosas que não encontraram seu lugar em nenhum outro livro do autor e foram reunidas neste pequeno livro. Editora Rocco.
Ilustração de Beatriz Leite
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