Das edições da Deriva que fizemos até aqui, nenhuma foi mais custosa do que esta. Isso aconteceu por razões objetivas — é a edição mais longa que publicamos, com o maior volume de textos —, mas também subjetivas: no meio do caminho, perdemos o escritor Victor Heringer, morto em 7 de março de 2018. Uma amiga diz que toda morte é prematura, mas a de Victor, com apenas 29 anos, soa ainda mais.
É tentador fetichizar os mortos, mas se digo que Victor Heringer sempre foi generoso conosco, é apenas uma constatação. Da última vez que nos correspondemos, contei que o tema desta edição seria intimidade. Ele respondeu com a gentileza habitual: “Seu convite veio em boa hora (obrigado por lembrar de mim, aliás). Havia uns dois anos que eu não escrevia um poema. Há uns dias, saiu-me um, insone e íntimo”. Junto, enviou um arquivo de Word com os versos de Só o monstro é original na morte, que, infelizmente, torna-se agira uma publicação póstuma.
Autor de outros poemas bonitos e de dois romances muito elogiados, Heringer foi um artista multitalentoso, que também desenhava e fazia experimentos audiovisuais — brilhante até em seus comentários no Twitter.
O autor fez parte da edição de lançamento da Deriva como o nosso primeiro entrevistado. O título da publicação, Uma maneira de estar no mundo, foi retirado de uma de suas respostas: “O caso é que, quando escrevo um livro, também inscrevo seus espaços imaginários no mapa real: há, por efeito do puro passar de páginas, um Queím escondido na zona Norte do Rio de Janeiro, assim como há miudezas do Glória no bairro real. É uma maneira de estar no mundo.”
Se estou muito agradecida por essas trocas, também me sinto entristecida de publicar o poema sem que ele esteja aqui. Por isso, decidimos que este número da Deriva seria diferente dos demais: este breve editorial não vai apresentar o tema que pretendíamos examinar na edição, mas sim fazer uma curta e desajeitada homenagem.
Convidamos Dimitri BR e Priscilla Campos, com quem Heringer teve laços de amizade, para escrever os textos de abertura: o poema Não conheço poetas mortos, de Dimitri BR, e uma resenha de O amor dos homens avulsos, último romance de Heringer, que articula belamente dois temas centrais da existência: o amor e a morte, de Priscilla Campos.
Embalados por essas palavras de ternura, substantivo tão estimado pelo autor homenageado, seguimos adiante com o dossiê acerca da intimidade. São textos sobre literatura, cinema, artes, política e psicanálise, escritos por autoras e autores com diferentes experiências.
Para ilustrar este número, convidamos a artista Carolina Nazatto, que já esteve conosco na última edição. Mais uma vez, seu trabalho foi essencial para que a revista tomasse forma.
Para a imagem deste editorial, a artista pesquisou pinturas do século 17: “A pintura da vida cotidiana parece uma tradução perfeita da intimidade. Achei a imagem dessas duas meninas lendo juntas muito tocante. Leitura é algo que você faz quase sempre sozinho, e achei o ato de dividir esse momento muito poético. Juntei isso a um fundo impessoal, com cores frias. Gostei do resultado desse contraste e achei que deixou ainda mais forte a relação entre as duas personagens”.
Quanto à arte criada para o poema de Victor Heringer, a artista conta que pensou “na personagem como um gigante que está longe, vivendo em seu próprio mundo”. Eu não poderia imaginar uma representação mais potente.
As demais ilustrações são do artista Celeza Ramalho e a edição de arte, de Thiago Thomé Marques. Agradeço ao Thiago e a cada colega que colaborou nos bastidores pelo apoio editorial . Muito obrigada.
Por fim, queria contar a vocês que, a partir da próxima edição, a Deriva passa a ser uma publicação anual. Se desde o início defendemos a lentidão, o tempo veio nos provar que nosso caminho era mesmo por aí e que poderíamos nos demorar um pouco mais, cuidando para que o conteúdo publicado possa contribuir para o debate contemporâneo. Assim desejamos que seja.
Boa leitura!
Fabiane Secches
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