Na literatura, o adultério feminino foi tema de obras intrigantes. Anna Kariênina, de Tolstói, e Madame Bovary, de Flaubert, são algumas das adúlteras mais conhecidas da literatura, mas a lista é imensa. Temos as lusitanas Luísa, de Primo Basílio, e Ann, de Equador, e as brasileiras Capitu de Dom Casmurro (o eterno traiu ou não traiu), Nina de Crônica da casa assassinada, e Josefina e Celeste que compartilharam o mesmo amante em A emparedada da rua Nova.
Francesca, do estadunidense As pontes de Madison. Lili, do peruano Travessuras da menina má. A inocente senhorita de Chartres — que foi punida por uma traição que ficou só no campo do desejo —, do francês A princesa de Clèves, assim como Minne, em A ingênua libertina, e Adele, de No jardim do ogro. Há muitas outras por aí.
Mas, se como diz Lacan, “A Mulher” não existe, se cada uma é uma, temos que considerar a singularidade de cada personagem. Quero aqui me ater um pouco mais a Constance, ou Connie, de O amante de Lady Chatterley (1928), romance do controverso escritor britânico D. H. Lawrence.
A protagonista de Lawrence teve uma educação liberal — não apenas lhe foi permitido como até mesmo incentivado tanto ter experiências sexuais antes do casamento quanto relações extra-conjugais, depois que o marido conservador voltou ferido e impotente da guerra e passaram a viver em uma propriedade rural. Mas esperava-se que isso se desse dentro dos limites da classe social a qual pertencia e mantendo-se a discrição, como convinha a uma lady.
Funcionou por algum tempo, até que Connie começasse a se distanciar de todos à sua volta, sentindo uma inquietação crescente. É quando conhece o personagem do título, Oliver Mellors. Homem de classe social inferior, com alguma cultura, ideias rígidas, traumatizado com um casamento anterior e inconformado com a situação dos trabalhadores na época, Mellors exerceu, à primeira vista, grande impacto sobre ela.
A princípio, Connie não resistiu ao fascínio do corpo de Mellors. Acostumada que estava a uma vida artificial, custou a entregar-se verdadeiramente. Mesmo ao final, é difícil saber se há uma entrega genuína, se as barreiras, tanto as suas próprias quanto as da sociedade da qual fazia parte, podem ser de fato quebradas.
O amante de Lady Chatterley foi publicado originalmente na Itália, permanecendo inédito na Inglaterra até 1960. O livro foi vetado por abordar temas polêmicos para a época, como sexo e traição, de maneira explícita, ainda hoje o romance impressiona sobretudo pelo tratamento literário que consegue dar a essas questões enquanto também faz um retrato de uma sociedade em transição. A edição brasileira da Penguin Companhia (2010), com tradução de Sergio Flaksman, traz uma introdução de Doris Lessing, escritora laureada com o Nobel de Literatura de 2007.
Mas, se a literatura faz com que nos apaixonemos por essas personagens complexas e ambíguas, de outro lado, também oferece finais trágicos, como os de Anna Kariênina e de Emma Bovary, ou perturbadores, como o de Lady Chatterley.
Claudia Mota é professora de educação infantil e do ensino fundamental aposentada. Formou-se em Pedagogia, com especialização em Psicopedagogia.
Imagem: cena do filme ‘Lady Chatterley’ (2006), adaptação francesa de Pascale Ferran.
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