O suspense é o ingrediente, em última análise, de qualquer narrativa. Contos, peças, novelas, romances, poemas implicam descobertas contínuas, descobertas factuais, circunstanciais, psicológicas, fortuitas, por parte do leitor e do autor que tem uma trama na cabeça que pode ser mudada pela progressão daquilo que escreve. Mas há um gênero em que essa mudança não pode acontecer — ou, se acontece, acontece dentro de certas regas: é o romance de suspense, seja ele policial, de detetive ou de mistério.
Um romance de suspense obedece, de fato, a alguns esquemas e/ou regras bem precisos, uma vez que o autor não o escreve “para si”, mas essencialmente para o leitor a quem não quer decepcionar.
O primeiro romance de suspense parece haver sido, oficialmente, Os crimes da rua Morgue, escrito em 1841 por Edgar Alan Poe, que introduziu a figura do detetive Auguste Dupin, capaz de descobrir os casos mais intrincados, mesmo sem se locomover até a cena do crime. Sherlock Homes, de Conan Doyle, inspira-se nele e, em Sherlock Holmes, inspiraram-se o detetive Poirot, de Agatha Christie, o delegado Maigret, de Georges Simenon; no Brasil, o detetive Espinosa de Luiz Alberto Garcia-Roza; na Itália, o comissário Salvo Montalbano, de Andrea Camilleri, cujas vicissitudes se passam na Sicília e ali, como em todos os romances de detetive, policiais ou de mistério — e particularmente, em Agatha Christie — a ambiência é importantíssima. Ela serve para criar a atmosfera, para fazer o leitor sentir-se partícipe do mundo em que haverão de desenrolar-se os fatos. A criação de atmosfera é a base da narrativa de suspense.
Os acontecimentos que se sucedem convergem para dois focos principais: o crime e a descoberta do culpado. O culpado, para que o leitor possa acompanhar as suas pegadas sem saber que ele é o culpado, deve estar presente desde o começo, mas é função do escritor distrair o leitor para que não o descubra tão cedo.
A descoberta (a solução) deve ser alcançada pela dedução lógica, pelo raciocínio (do investigador e do leitor) e não graças a uma ajuda de fora na qual tropece o investigador. Claro que há elementos fortuitos que enriquecem (complicam) a trama, e fazem com que a solução do crime não seja fácil e imediata: o autor pode levar o leitor a pistas falsas. Essas pistas, para serem percorridas pelo leitor, devem fazê-lo suspeitar do maior número de personagens que teriam podido cometer o crime, movidos por dinâmicas psicológicas com as quais o leitor poderia se identificar: poder, ciúme, avidez de dinheiro, desejo de vingança… No fim, porém, os motivos que levaram o culpado ao crime devem ser unívocos e convincentes e as dúvidas que pairam sobre os outros indiciados devem ser desfeitas. (Não há erros judiciários a serem revistos nos romances de suspense).
Para a tradição anglo-saxã, um romance de suspense deve se sustentar sobre 4 colunas, também chamadas os 4 M: Murder (o delito), Motive (o movente), Mean (a arma) e Moment (a ocasião).
Na vida real, infelizmente, mata-se também por razões fúteis, mas não nos romances de suspense. As quatro colunas devem ser sólidas. No romance de suspense, cada ação deve ter um sentido e uma finalidade que o autor deve conhecer, mesmo que o leitor não os descubra logo, ele acabará por descobri-los. Armada a trama, qualquer cuidado é pouco na criação do protagonista que resolverá o caso e que, basicamente, deverá ser simpático ao leitor e gozar de toda a sua confiança.
Tal como a criação da atmosfera, a criação do protagonista é fundamental: gostos, preferências, hábitos, pequenos tiques, jeitos, atitudes, tudo deve contribuir a torná-lo verdadeiro e próximo do leitor. A mesma coisa deve acontecer, mutatis mutandis, com as personagens menores. A credibilidade que inspiram é uma das molas da trama.
Talvez a inevitabilidade, que é o eixo e o que espera as vicissitudes de qualquer narrativa de suspense, explique a grande atração que sentem pelo gênero mesmo as mentes mais argutas. É conhecido o interesse que tinham pela obra de Agatha Christie, por exemplo, tanto Wittgenstein quanto Umberto Eco, e — no Brasil — Rui Galvão de Andrada Coelho. Para os paradoxos e as incongruências da vida corrente, nada tão reconfortante como o oásis de uma certeza final.
Aurora Fornoni Bernardini é crítica literária, tradutora, escritora e professora de literatura na Universidade de São Paulo.
Imagem: Ilustração da revista Strand, que publicou as histórias de Sir Arthur Conan Doyle (Museu de Londres).
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