Quando Milton Nascimento e Beto Guedes compuseram a frase do título desse texto, em 1972, provavelmente não imaginaram que ela seria tão usada quatro décadas depois por economistas de todo o planeta frente à crise do novo coronavírus. O ano de 2020 será lembrado como o ano em que as fábricas chinesas pararam, os turistas sumiram de Veneza, o liberal Trump implementou um plano de renda mínima e a elite brasileira esperneou em carreatas para não ver seus negócios pararem. Desejos terraplanistas à parte, o fato é que a economia global desacelerou bruscamente e temos nenhuma certeza de que tipo de crise virá.
Nesse cenário, entramos abril experimentando uma nova ordem econômica. Li um estudo realizado pela Cielo logo na segunda semana de quarentena em São Paulo. O consumo com cartões da marca caiu 40% no período quando comparado às semanas anteriores. As únicas categorias de compras com incremento foram comida e produtos de higiene. Um meme resumiu bem: “engraçado a economia global vai colapsar porque as pessoas estão consumindo só o que precisam”.
Desde 2009, após a dinheirama injetada pelos os bancos centrais nas economias para combater a crise do subprime, o mundo se gourmetizou. No Brasil não ficamos para trás. Quem viveu os magros 80s e 90s sabe do que estou falando. O gosto por pequenos luxos atingiu as mais diversas classes. A velha Brahma foi trocada pela garrafa verdinha da Heineken. A Praia Grande trocada por Miami, Punta Cana e Cruzeiros all-inclusive financiados em 24 vezes. Numa velocidade impressionante, Pinheiros ganhou ares de Moema, Santa Cecília gentrificou como Pinheiros e o Tatuapé virou bairro de playboy. Mesmo com a crise do golpe de 2016, o que víamos em janeiro de 2020 era uma Bovespa com crescimento recorde e aluguéis com preços astronômicos. Em março, porém, tudo mudou. Foi a vez do Brasil parar por conta do coronavírus.
São Paulo entrou abril com um grande crescimento na curva de casos de COVID-19. Ruas esvaziadas. Comércios fechados. Pelo Whatsapp, uma amiga me perguntou “você já pediu desconto no aluguel? As imobiliárias estão reduzindo 50%”. Em sintonia com os demais países ocidentais, o Banco Central brasileiro rebola para o motor da economia não apagar e seguir em marcha lenta. O governo criou um “voucher” de 600 reais para trabalhadores autônomos. Assim como um plano de empréstimos com juros a preço de custo para empregadores garantirem as folhas de pagamento. Essas medidas respondem aos meses correntes. No entanto, o que mais impressiona a todos nós é que não sabemos por quanto tempo ficaremos em casa. Tampouco é previsível o custo que a desaceleração terá para o Estado, empresas e trabalhadores.
A boa notícia nesse momento em que estamos de mãos atadas e portas trancadas é que, no decorrer da história, a humanidade se organizou em diferentes padrões econômicos. Para conhecer mais sobre essas outras formas de organização, indico o livro Uma breve história da economia, Niall Kishtainy (L&PM, 2018). A publicação é da mesma série de Sapiens — uma breve história da humanidade, de Yuval Noah Harari (L&PM, 2015). Assim como o primo best-seller, o livro de Niall Kishtainy usa uma linguagem acessível e leve para apresentar a evolução produtiva da humanidade e as principais teorias economias que surgiram desde Platão.
Um bom exemplo que Niall Kishtainy apresenta para contrastar ao capitalismo globalizado de hoje é o feudalismo. Após os tempos agitados de comércio do Império Romano, os europeus passaram por quase 1000 anos de idade média isolados em propriedades rurais focadas na subsistência. Os camponeses ganhavam um pedaço de chão para produzir e em troca lutavam ao lado proprietário-nobre quando os Vikings apareciam. Naquele período, inclusive, a igreja exercia grande papel político e condenava empréstimos de dinheiro a juros.
O comércio a níveis globais foi restabelecido nos meados de 1500. As grandes navegações tornaram a economia mais ágil. (Não posso deixar de citar aqui O mercador de Veneza, de William Shakespeare, como um retrato perfeito para entender o mercantilismo). A partir desse período, os juros voltaram. A produção evoluiu e as teorias econômicas se sofisticaram a cada ano. Nos últimos quatro séculos, economistas como Adam Smith, David Ricardo, Alfred Marshall, Karl Marx e John Maynard Keynes, observaram os sistemas que possibilitaram a ampliação da existência humana no planeta. Desenharam padrões e ajudaram a apontar os próximos passos da humanidade. O que será depois de 2020, ainda ninguém sabe. No entanto, ao mergulhar na história da economia e ao conhecer as teorias de grandes pensadores, certamente, você encontrará caminhos mais otimistas do que os delírios terraplanistas de Bolsonaro e do Velho da Havan.
Mauro Paz é autor dos livros ‘Por razões desconhecidas’ (IELRS, 2012), ‘São Paulo – CidadExpressa’ (Editora Patuá, 2014); e ‘Entre lembrar e esquecer’ (Editora Patuá, 2018) e organizador da antologia ‘Contos de quarentena’ (Amazon, 2020), que reúne alguns principais contistas da literatura contemporânea brasileira.
Imagem: Portia and Shylock from Shakespeare’s “The Merchant of Venice”, IV. Pintura de Edward Alcock para The Windsor Shakespeare, editado por Henry Hudson (Caxton, c 1778).
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