Nicole Cordery e eu nos conhecemos quando soubemos que seríamos lançadas pela mesma editora, a Claraboia, daqui de São Paulo. Passamos a admirar o trabalho uma da outra, enviar corações pelo Instagram e compartilhar desejos recíprocos de que fizéssemos uma boa estreia. Nossos primogênitos — Cadernos de viagem herdados (dela) e Quando as árvores morrem (meu) — vieram ao mundo com apenas vinte dias de diferença. Inauguramos as publicações de ficção da nossa editora, que até então havia apostado em títulos de não-ficção. Eu fico feliz demais de ajudarmos a construir, juntas, esse pedaço da história da Claraboia.
Nicole é escritora e atriz. Eu sou escritora e também jornalista. Para além da multiplicidade (estamos fazendo sempre muitas coisas) e de termos escolhido São Paulo para viver, acho que dividimos também o espírito aventureiro. Se em seu livro as incríveis viagens são ressignificadas a partir dos relatos; no meu, a protagonista retorna de uma “longa viagem” para experimentar ser órfã. O curioso é que as duas obras partem da morte, o que é bastante simbólico nesse momento pandêmico, de luto coletivo. É também muito bonito enxergar que ambas as protagonistas recebem, meio sem querer, a tarefa de resolver o desejo de seus mortos.
Nos últimos anos, tenho tido grande prazer em conhecer mulheres que escrevem e dividir com elas experiências sobre essa aventura de contar histórias. No caso da Nicole, sinto que vai além, porque também somos parceiras de editora, o que nos torna parte de um clã. Nessa conversa, vocês terão um pouco da sorte que eu tive, a de partilhar processos de escrita com uma companheira de jornada.
Tatiana Lazzarotto — Você se define como nômade. Como tem sido migrar da atuação para a escrita e, agora, novamente aos palcos?
Nicole Cordery —Eu me considero uma nômade em muitos sentidos. Saí de Niterói, fui viver no Rio de Janeiro, migrei para São Paulo, depois Paris, voltei para São Paulo. Já vivi em mais de dez casas e todas elas eu considerei um lar. Viajo bastante e percebo o meu deslocamento como nutrição. Migro também dentro do teatro, trabalho com pessoas diferentes, com estilos diferentes de atuação. Gosto de trabalhar com pessoas consideradas opostas em suas estéticas.
A migração mais difícil talvez tenha sido essa que você apontou, da atuação para a escrita. Essa viagem foi dolorida, profunda. Dentro do campo da atuação eu navego entre a locução, o audiovisual e o palco. Este último é a minha base. Digo que a escrita foi dolorida pois não era um território conhecido, me sentia muitas vezes como uma impostora, uma estrangeira, com um sotaque incompreensível. Tive formação em jornalismo em paralelo com as artes cênicas, mas a escrita, diferente de você, nunca havia sido a minha escolha de vida.
Tatiana Lazzarotto — É interessante isso que você traz. Mesmo que a escrita seja “escolha de vida”, percebo que a síndrome da impostora, da estrangeira, afeta todas nós. Tenho constatado, até dentro da pesquisa que eu desenvolvo com mulheres escritoras, que esse sentimento atravessa até mesmo as consagradas, que já têm muitos livros publicados. A teórica Gloria Anzaldúa já havia atentado: “falamos em línguas”. É como se precisássemos de uma licença imaginária para ocupar determinados espaços. Claro que há a questão interseccional, não nos afeta da mesma forma. Mas vejo uma necessidade profunda das mulheres em enfrentá-la, de produzir apesar disso, ou a partir disso. Como isso aconteceu para você?
Nicole Cordery — Meu desejo de escrever veio da necessidade da troca com outras mulheres. Da troca de experiências. E as anotações sobre viagens são uma constante na minha vida. Então, migrar da atuação para a escrita foi um desnudar-se. Não havia personagens, autores, dramaturgos nos quais me escudar. Havia nudez. E eu estava fora da minha zona de conforto. Para além disso teve todo o aprendizado sobre o mundo editorial, as revisões intermináveis, o projeto que deixa de ser pessoal e passa a ser de outras mulheres, conjuntamente. E a beleza desse movimento.
Migrar da escrita para o palco está sendo mais tranquilo. Na verdade eu nunca parei de atuar, mesmo enquanto eu escrevia, considerando que comecei os Cadernos em 2018. Durante a pandemia, estive em cartaz com Pandas, ou Era uma Vez em Frankfurt, Terra Medeia, Chernobyl e Alice — Retrato de Mulher que Cozinha ao Fundo. Todas essas peças foram feitas em formatos on line. Agora, em 2022, estou vivendo uma verdadeira maratona atuando em peças e filmes, tudo ao mesmo tempo agora. E lançar o livro nesse contexto de volta a alguma “normalidade”, apesar da doença ainda estar entre nós, tem sido muito estimulante.
Nicole Cordery — O seu livro, à primeira vista, nos dá a pista de se tratar de uma narração autobiográfica, mas sabemos que é uma obra de ficção lindamente construída.
Tatiana Lazzarotto — Sim, eu gosto de classificar meu livro como uma história de ficção, o que significa, de certa maneira, que vai além do meu próprio processo de luto. Há uma tendência (embora não devesse ser assim) de reduzir a escrita de mulheres à autobiografia. Como matéria literária que é, o romance se constrói a partir da realidade, mas, mesmo quando parte da memória, a ficcionaliza. No meu livro, não há compromissos históricos e biográficos. Então, não estou compartilhando o meu processo ou a minha dor, não há um “desnudar”, como você falou tão bem. Me enxergo como uma contadora de histórias, mais especificamente a da narradora, de seu pai e da árvore da família. Esse processo foi muito bonito para mim, o de escrever sobre o luto, tendo passeado por algo próximo tão recentemente. Foi fascinante reconstruir uma personagem pelo olhar de outra (o pai da história é apresentado pelas memórias da filha, que nos conta essa história).
Alguns leitores me contam que é um livro em que se pode rir, embora o tema seja a morte. Na travessia do luto, quem fica viaja pela dor, pela culpa, pela apatia, mas também pela energia do riso, pela partilha ou pelos improváveis caminhos do além-morte. Tentei equilibrar todas essas nuances, que eu conheço tão bem, na minha história. Ao escrever sobre um tema que nos atravessa, a gente o enfrenta, mas também o transforma em arte. Não há melhor função do que essa.
Tatiana Lazzarotto — E como foi o processo de construção dessas duas personagens: a prima que morre e a prima que herda os cadernos?
Nicole Cordery — Esse processo aconteceu durante a pandemia. O desejo de publicação e os cadernos de viagens são anteriores às primas. A prima que herda estava presente em algumas viagens. Mas no confinamento, tudo relacionado a esse livro, deixou de fazer sentido. Perdi pessoas próximas na pandemia, me deprimi, como muita gente, e numa insônia me veio essa troca entre as primas. As duas personagens têm, ambas, muito de mim mesma. Ainda que muitas das viagens vividas pela personagem que morre de Covid tenham sido experimentadas por mim, elas também foram igualmente inventadas. Já a prima que herda tem muito da minha autocrítica, do meu olhar ao revisar coisas escritas em outras fases da minha vida.
Tatiana Lazzarotto — Tem uma frase atribuída ao Barthes (citada no livro A louca da casa, da Rosa Montero) que gosto muito: “toda biografia é autoficcional e toda ficção, autobiográfica”. Acho que sempre estamos escrevendo a partir de nós mesmas e a partir do que a gente conhece, mesmo quando há invenção. É difícil demarcar fronteiras quando escrevemos a partir do real, mas, ao mesmo tempo, quando há esse trabalho de criação literária, quase nada é real, de fato.
Nicole Cordery — Sim, concordo plenamente. Eu me inspiro livremente nas minhas personagens reais. Nas pessoas que viajaram comigo durante a minha vida. Mas a personalidade da prima que herda os cadernos, por exemplo, não bate com a da minha prima real. Quis criar um antagonismo mais desenhado entre as duas. A prima que morre de Covid tem traços que não são meus. E eu acho que é aí que mora o desafio e a alegria de escrever. É tudo muito próximo, mas tudo também inventado. Eu costumo traçar uma analogia com a composição de atuação para o cinema. Tudo tem que ser verossímil, tem que parecer que você é aquela pessoa, mas na verdade é uma construção milimétrica que pega traços do intérprete emprestados.
No seu livro me chamam a atenção as analogias com o universo do teatro ou da dramaturgia. O pai Noel é o protagonista daquela família, a personagem da filha diz em determinado ponto que “achava que tinha sido escalada como substituta numa peça de teatro em que o ator adoece e colocam outro em seu lugar”. A sensação de não saber as falas ou nascer sem script é um pesadelo recorrente de muitos atores profissionais. Você já atuou ou escreveu peças?
Tatiana Lazzarotto — Tive uma breve experiência com teatro na escola, nada profissional. Embora eu seja uma leitora de dramaturgia, acredito que esses trechos que você citou do meu livro vêm de expressões conhecidas mesmo por quem não é do meio. Mas foi engraçado você comentar isso, porque no início da escrita do romance tive uma troca muito interessante com a escritora Laura Cohen, que me ajudou a lapidar o rascunho das primeiras páginas. Quando leu, ela me perguntou se eu gostava de assistir a óperas, porque ela enxergava semelhanças desse gênero com algumas estruturas que elaborei nas primeiras cenas. Até escrever o romance, nunca havia assistido a uma ópera. Tudo isso para dizer que a gente escreve bebendo em referências muito diversas e camufladas. As minhas eu construí em todas as áreas com as quais me relaciono.
Sou escritora, mas também sou jornalista e acadêmica (pesquiso coletivos literários de mulheres escritoras). Além disso, tenho começado a realizar serviços no mercado editorial. Todas essas atividades e também as minhas experiências anteriores — na comunicação corporativa; na docência; nas breves incursões em cursos de roteiro — influenciam meus textos. Além das leituras, é claro. É quase impossível, para mim, traçar a origem de algumas referências.
E para você, como está sendo a relação com o público do livro? Imagino que deva haver algumas diferenças radicais com as respostas do público numa peça teatral (para citar apenas um dos espaços em que você se apresenta como atriz), mas também há algo em comum nesses retornos? Como tem sido “ser lida”?
Nicole Cordery —Nossa, tenho recebido tanto carinho, tantos retornos afetuosos. A sensação que tenho, se formos comparar com o teatro, é que cada espectador vem bem pertinho de mim e aplaude com um abraço. As pessoas têm o tempo da leitura, que raramente se inicia logo após a compra de um livro. Então é louco, porque quase todos os dias chega até mim algum carinho, uma mensagem, um áudio de alguém falando que chegou ao fim da viagem das primas. Eu me emociono sempre. Uma peça teatral pode ter críticas ótimas dos jornalistas especializados, mas sabemos que a resposta a um espetáculo acontece mesmo na hora dos aplausos, quando o público não quer parar de aplaudir. Com o livro é diferente. Cada um lê de forma solitária em tempos diferentes.
Tenho tido retornos de um público entre 15 e 20 anos. Jovens que estão só no começo da vida de viagens e se identificam com a prima que deixou os cadernos. Mas acredito que o melhor retorno, no caso do meu livro, é quando me relatam que, durante a leitura, o leitor se lembrou e se conectou com as suas próprias viagens. Do quanto uma ou outra passagem do livro os fez olhar para si mesmos. E aí eu volto para o teatro. Não me interessa tanto a virtuose do ator e sim quando o público se surpreende ao se ver espelhado numa obra.
Tatiana Lazzarotto — O que mais há em comum entre esses dois caminhos: a atuação e a escrita?
Nicole Cordery — Existe em comum o contato com o outro. Eu faço teatro desde os 8 anos de idade para ter contato com o outro. Escrevia escondida e agora decidi publicar um livro para buscar mais contato com o outro.
E como foi para você o processo entre o ponto final na sua obra e a publicação pela Claraboia? Quanto tempo se passou e quais os momentos de maior crise ou alegria?
Tatiana Lazzarotto — Foi um pouco diferente do que acontece com a maioria dos escritores. Um dos motivos é o ProAC, edital cultural em que fui uma das vencedoras. O resultado saiu no final de 2020, então, a maior parte da escrita aconteceu durante 2021, porque eu tinha um prazo estabelecido. O meu trabalho na Claraboia não começou depois da conclusão do original, porque recebi o convite da Tainã Bispo para publicar meu livro logo quando finalizei a primeira parte. Nós já havíamos trabalhado juntas no Cartas de uma pandemia: testemunhos de um ano de quarentena (2021), que nasceu de um projeto conjunto entre mim e a Claraboia e do qual eu e Tainã somos organizadoras.
O processo (e isso se aplica aos dois livros) foi bastante fluido, com muita parceria, reciprocidade, confiança e cumplicidade. Essa foi a maior alegria, ter sido respeitada em todos os momentos, ter feito parte de todas as decisões e, ao final, meu livro ser o resultado de um trabalho em equipe, todas mulheres. Entre a conclusão do original e o lançamento se passaram pouco mais de três meses, em um mês e meio ele foi para a gráfica.
Nicole Cordery — E como foi o seu processo de escrita?
Tatiana Lazzarotto — Passou por vários altos e baixos. Tenho uma newsletter mensal que eu enviei ao longo do processo, e que continuo escrevendo (chamada Eu sou toda sonho), em que ficou muito claro aos leitores que houve meses muito bons e meses complicados (risos). Escrever um romance é uma empreitada, além do prazo de conclusão (no meu caso, previsto em edital), exige muita energia. Também é imprescindível ter um olhar de edição ao próprio texto, escrever bem não é escrever muito, um romance também é feito do que se corta. Esse processo de remover os “andaimes”, as explicações desnecessárias, também é extenuante.
Mas durante o processo questionei por que o sofrimento tem de escoltar tudo aquilo que fazemos, especialmente nós, mulheres. Onde fica o prazer de se escrever histórias? Para muitas de nós, está no tempo em que somos lidas. Mas, mesmo que nos validem (o que não deveria nos escoltar), como recuperar as valiosas horas de escrita imersas em dor, peso, autocrítica e culpa? Depois que eu entendi a necessidade de situar a minha escrita no tempo presente e não na recepção, não nesse depois (sobre o qual não temos absolutamente nenhum controle), tudo caminhou melhor.
No projeto gráfico do seu livro há o cuidado de apresentar os relatos dos cadernos, com uma fonte mais descontraída e outra para as anotações, interferências e revisões da prima que herda; além de ser lindamente ilustrado pela Rita Carelli. Como foi esse processo de criação do projeto gráfico?
Nicole Cordery —Ah, foi um diálogo delicioso entre a gente. Quando falo que o livro não é apenas meu, desde que ele foi acolhido pela Claraboia, é muito verdade. Tenho uma agente literária, a Débora Guterman, da Agência Mil Folhas, que foi quem apresentou o Cadernos à Claraboia. Então todo o diálogo sobre como o livro deveria parecer iniciou-se comigo e com a Débora. O manuscrito foi apresentado à editora já finalizado e com indicação da Rita Carelli como ilustradora. Somos grandes amigas, Rita foi uma das minhas primeiras revisoras, antes mesmo da existência das primas, eu sou muito admiradora do traço dela, além do todos os outros talentos, inumeráveis, então, não fazia sentido para mim contratar uma outra ilustradora. Na sequência veio a Vanessa Lima, diagramadora proposta pela Clara e nós conversamos muito sobre como dar ao leitor a sensação de ter um moleskine em mãos, num formato de livro. A Vanessa, como eu, também tinha muitos moleskines, também é uma viajante, então essa referência era clara para ela. Sabíamos que uma fonte manuscrita para os comentários da prima revisora / herdeira era necessária para a compreensão. Mas a letra em forma de bastão foi uma proposição da Vanessa, que eu acatei imediatamente.
Tatiana Lazzarotto – As ilustrações foram criadas para a publicação?
Nicole Cordery — Sim. Eu e Rita trabalhamos juntas nesse processo. Outro desafio foi que essas ilustrações tinham que fazer parte daqueles cadernos, não poderiam aparentar terem sido coladas ali. Era uma reprodução de cadernos de viagem, então a Vanessa foi aumentando os desenhos, extrapolando as bordas. Foi uma comunicação muito bonita e estimulante para todas. Tainã, Debora, Rita, Vanessa e eu fizemos o livro ser como ele é, e eu me orgulho muito desse trabalho com tantas mãos e olhares femininos. Deu trabalho, mas eu fiquei muito feliz com a carinha dele. E acho que, ao mesmo tempo, ele ficou acessível às novas gerações que mencionei na pergunta anterior. Futuros viajantes se atraem pela estética dele, e isso é muito bom.
Nicole Cordery —Seu livro também traz um cuidado estético. Essa parte imagética, quando lembramos que seu livro foi contemplado pelo ProAC, já estava concebida em projeto? Ou tudo veio naqueles três meses que você mencionou entre a conclusão do original e ele ter ido para a gráfica? As fotos da Débora Lopes Serralheiro são incríveis e trazem textura para o interior do livro, para além se serem árvores, elas parecem tramas, tecido. As fotos já existiam ou foram encomendadas por você para o seu livro?
Tatiana Lazzarotto — Não estava concebido, eu queria fechar o conceito visual do livro quando o original estivesse pronto. Meu romance é cheio de coincidências e de presentes do acaso e um deles é que a Débora (artista visual que desenvolveu o projeto gráfico) já estava pensando nas fotos de partes de uma árvore antes mesmo de eu apresentar a divisão da obra. A história tem três partes e um epílogo, os quais eu chamei de: Raiz, Tronco, Galhos e Broto. Todo o projeto foi desenvolvido a partir da primeira foto, a das raízes, a única que já existia. Foi uma alegria ter conseguido imprimir uma parte do livro em duas cores, o que possibilitou ter as imagens em tons de verde, que dão vida à obra. No meio do processo, decidimos incluir mais uma foto que foi feita especialmente para o livro e ilustra a frase que o encerra: Somos Floresta. Todas as imagens internas são autorais e imprimem a elegância que eu queria para a obra.
Nicole Cordery — Qual é a pergunta sobre Quando as árvores morrem que ainda não te fizeram?
Tatiana Lazzarotto — Sobre a decisão em nomear ou não personagens. A protagonista, assim como os membros nucleares da família, não têm nome. Desde o começo eu sabia que seria assim, talvez por ser uma história narrada em primeira pessoa: geralmente chamamos nosso pai ou nossa mãe de “meu pai” e “minha mãe” quando falamos deles para alguém. Como a narradora tem um irmão e uma irmã, era mais fácil diferenciá-los. Mas acho que no fundo eu imaginei que essa supressão de nomes os aproximaria entre si e na mesma medida os distanciaria do restante do mundo. Também veio da tentativa de tornar essa história um pouco mais universal — queria falar sobre cada casa destelhada pela morte. As personagens nomeadas “nasceram” já com seus nomes. A não ser Rio, que me apareceu em um sonho.
Tatiana Lazzarotto — Para encerrar essa conversa, gostaria de saber quais são os próximos passos da sua carreira literária? Um novo livro já está nos planos?
Nicole Cordery —Olha, eu sempre tive o desejo de mergulhar numa história específica. Minha família é composta por mulheres fortes e a história delas, vindas do interior do Acre, sempre me fascinou. Assim que eu tiver um tempo pretendo ir ao Acre, aos seringais, entrevistar pessoas, conhecer uma paisagem que esteve muito presente no meu imaginário infantil. E sim, escrever sobre essas mulheres no começo do século 29. Sinto que o projeto de viajar para escrever, que me norteou durante o Cadernos, continuaria vivo nesse próximo projeto. Ele não é urgente mas já me desperta uma coceira.
Nicole Cordery— E você, me conta dos seus projetos literários futuros? Seu HD interno nesse momento está cheio de vontades ou vazio de exaustão, querendo um tempo para respirar?
Tatiana Lazzarotto — É difícil eu descansar da escrita (risos) porque todas as minhas atividades são apoiadas nela. Depois do livro, meu grande plano é concluir meu mestrado em Estudos Culturais na Universidade de São Paulo sobre espaços de escrita exclusivamente voltados para mulheres. Fiz uma pequena pausa nos estudos para poder me dedicar à finalização do romance e ao lançamento, mas nunca deixei de pensar na pesquisa. A minha experiência como escritora também se intensificou a partir do momento em que passei a integrar o Clube da Escrita para Mulheres, fundado pela Jarid Arraes, que é um coletivo literário feminino e feminista, e sobre o qual eu estudo. Então, minha experiência como escritora (agora publicada) tem muito a contribuir para a minha pesquisa, a fim de pensar a importância dos coletivos para a literatura contemporânea produzida por mulheres.
Se tivesse que responder sobre um livro em andamento, diria que é minha dissertação, uma produção que exige bastante, talvez quase como um romance (ainda torço para que seja mais fácil, risos). Na literatura, tenho minha produção de textos breves, que não para, os quais costumo publicar em revistas literárias ou em outros projetos. Um novo livro virá, tenho certeza. Mas é preciso que ele marine, que ele descanse, como massa sovada pede tempo para crescer. A gente também precisa descansar depois de um romance. E o leitor precisa descansar da gente.
Tatiana Lazzarotto é escritora, jornalista e mestranda em Estudos Culturais pela USP. É autora de Quando as árvores morrem (Claraboia, 2022).
Imagem: colagem de Sumaya Fagury com a fotografia das autoras Tatiana Lazzarotto e Nicole Cordery.
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