Na casa do meu pai havia uma mesa de dez lugares, retangular, comprida e fina, feita de madeira maciça. Era grande, mas ocupava harmoniosamente o espaço em que cozinha, sala de jantar e sala de estar se diferenciavam sem paredes, apenas com as respectivas mobílias. Fizemos boas refeições ali. A Martha cozinhava nas manhãs de domingo, chegávamos com as crianças na hora do almoço, ríamos e sujávamos tudo. A mesa foi comprada para que a ocupássemos aos domingos durante muitos anos na casa nova deles, a casa nova que um dia seria velha. Era só deixar que o tempo passasse, e com ele, os domingos.
Esses eram os planos do meu pai: acumular domingos saborosos e barulhentos sobre a mesa enquanto as crianças cresciam. Entre um domingo e outro, trabalho, cinema, teatro, sushi.
Meu pai e a Martha encontraram-se no mundo. Sentavam-se toda manhã de sexta ao café, jornais em riste, e faziam, alegres, a programação do final de semana. Sextas e sábados eram ocupados com filmes e peças sobre os quais conversavam, um pouco bêbados, em seguida no jantar. Ele era quem comprava os ingressos e telefonava aos restaurantes para reservar mesa para dois (ou para três, se minha irmã estivesse na cidade). Aos domingos, nos contava o que havia de imperdível em cartaz.
Meu pai e a Martha não brigavam. Poderiam brigar por política; ele escapava das discussões. A Martha é uma grande companheira, ele desconversava quando minha irmã e eu perguntávamos como ele lidava com posicionamentos tão diferentes dos dele.
Um dia, eles brigaram.
Era domingo: não vai ter almoço, meu pai disse ao telefone. Sua voz estava abafada, relutante, triste como eu nunca a tinha ouvido. Eu e a Martha vamos nos separar.
Perguntei o que houve, ele não quis contar, desligou e passou algumas horas sumido. Atendi à Martha no fim dessas horas; ela também já estava preocupada, e me contou o que aconteceu.
Houvera uma festa na casa nova deles, cheia de gente, a família é grande; estávamos todos lá. Uma das tantas crianças derrubou um palhaço de cristal que se sentava na estante de livros. Meu pai gostava dos palhaços; eram dois. Ele gostava das coisas dele, e o pé esquerdo de um dos palhaços coloridos se quebrou.
No dia seguinte, sozinho em casa, ele tentou colar a parte quebrada de volta ao corpo. Encontrou cola permanente em alguma das gavetas, apoiou o palhaço no canto da mesa próximo à estante, apertou o tubo e o apontou para o pé desmembrado, mas a cola saiu em excesso e pingou na mesa. A mesa de dez lugares, retangular, comprida e fina, feita de madeira maciça.
Eu o imagino na ponta dos pés, como uma criança, buscando rápido um pano para limpar a cola. Imagino seu desespero crescendo, e ele lixando o tampo da mesa para esconder a cola, espalhada agora ainda mais. Imagino a Martha chegando em casa, apoiando a bolsa na mesa, reparando no estrago da mesa, perguntando ao meu pai o que era aquilo, e ele, como uma criança, nada, e depois tentando explicar: eu forrei com jornal, mas a cola atravessou mesmo assim.
No fim da tarde, eles já haviam feito as pazes, mas a Martha passou alguns dias com o humor abalado pelo estrago, um estrago que nunca poderia ser remediado, a mesa arruinada para sempre. No canto perto da estante, um borrão mais claro e elevado, e a mesa, que custou tanto, por causa daquilo já não valia nada.
A mesa foi comprada para que a ocupássemos aos domingos durante anos, muitos anos. Mas os anos não puderam passar para meu pai; meu pai não envelheceu. Não pelo menos ao longo dos anos, que não chegaram; envelheceu em meses, em semanas, bem diante dos nossos olhos, que o comparavam à imagem da foto tirada dias atrás, os olhos se demorando na imagem como se a pupila tivesse que se acomodar à falta de luz, mas era falta de corpo, o corpo do meu pai, que minguava e envelhecia pelo câncer e pela quimioterapia e estava a cada dia menor que a foto tirada no dia anterior.
Meu pai já não está, e a casa dele nunca será uma velha casa.
Hoje, a parte da mesa que a Martha mais gosta é o borrão.
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Natália Timerman é escritora, psiquiatra e psicoterapeuta, com mestrado em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é doutoranda em Teoria Literária e Literatura Comparada nessa mesma universidade.
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